Por Luciano Sales
Diferenças Essenciais entre Programas e Projetos
Ministrando aulas e cursos sobre gerenciamento de programas pelo país, me deparei com o seguinte cenário: os alunos não conhecem bem as propriedades e características próprias do gerenciamento de programas. Assim, ao chegar em sala de aula, preciso, antes de qualquer coisa, convencê-los que não estou ali para ensiná-los a gerenciar um “projetão”.
O tema gerenciamento de projetos já é bastante conhecido do público em geral. Segundo o PMI, apenas no Brasil, temos mais de 13 mil gerentes de projeto certificados. O mesmo não ocorre quando observamos o número de profissionais certificados no Brasil em gerenciamento de programas, apenas 15. Esse quadro também não melhora se analisarmos o número de certificados em gerenciamento de programas no mundo: pouco mais de 1 mil certificados.
Se o conhecimento das práticas de gerenciamento de programas estiver relacionada com o número de pessoas certificadas, estamos diante de um quadro desalentador. Cabe ressaltar que, se gerentes de projeto estiverem utilizando as ferramentas e técnicas de gerenciamento de projetos para conduzirem os seus programas, podemos imaginar que a maior parte desses empreendimentos não estão alcançado os benefícios esperados, pois as práticas de gerenciamento de programas são bem diferentes das de gerenciamento de projetos.
Atualmente, existem, pelo menos, duas importantes referências para os gerentes de programa: The Standard for Program Management, Third Edition – PMI, 2013 e o Managing Successful Programmes – TSO, 2011. Ambos os guias apresentam as boas práticas do gerenciamento de programas de forma madura e flexível o suficiente para serem utilizados em qualquer ambiente organizacional.
Para o standard do PMI, um programa é entendido como um grupo de projetos, subprogramas e atividades relacionadas que são gerenciados de forma coordenada para obterem benefícios não disponíveis se fossem gerenciados individualmente. Assim, percebe-se que programas são meios de executar a estratégia organizacional, alcançar metas e realizar os objetivos do negócio.
Já para o MSP, um programa é uma organização temporária e flexível, criada para coordenar, dirigir e supervisionar a implementação de um conjunto de projetos relacionados, a fim de entregar resultados e benefícios alinhados com os objetivos estratégicos organizacionais.
Nesta primeira parte do artigo, vou me concentrar em duas diferenças que acredito serem essenciais entre o gerenciamento de programas e o gerenciamento de projetos.
A primeira diferença essencial foi explorada por Artto et al (2009), no excelente artigo “Foundation of Program Management: a bibliometric review”: Projetos entregam capacidades para o negócio de forma concreta, ou seja, criam resultados diretos de uma forma previsível, contribuindo para o sucesso do negócio. Projetos focam em entregar saídas de curto prazo, relacionados com o sucesso de novos produtos. Programas entregam um conjunto mais amplo de resultados que geram impactos de longo alcance. Programas focam em entregar benefícios com implicações no futuro de longo prazo.
Por possuírem esse viés de longo prazo, segundo Artto et al (2009), programas precisam planejar e desenvolver não apenas novos produtos e serviços, que seria o foco do gerenciamento de projetos, mas, precisam se preocupar com a sustentação dos benefícios desses vários produtos e serviços em termos de processos, estrutura organizacional, sistemas de informação e infraestrutura. Ou seja, preocupa-se em criar a organização que irá sustentar os benefícios de longo prazo. A ferramenta do gerenciamento de programas que conduz a esse planejamento de mais longo prazo é conhecida como Arquitetura do Programa. (Abordaremos a Arquitetura do Programa em um outro artigo).
A segunda diferença essencial é a questão da mudança. A principal ferramenta do gerenciamento de projetos (pelo menos a mais conhecida) é a Estrutura Analítica de Projeto (EAP). A EAP é a decomposição das entregas do projeto, conforme definida na declaração de escopo. Imaginem um projeto que, em seu primeiro nível da EAP foram identificadas 4 entregas. Ou seja, o todo coerente (o projeto – a capacidade total que ele entregará) foi dividido em 4 “pedaços”. Faria sentido em um processo de mudança, simplesmente, ignorar 2 desses pedaços? Poderia fazer sentido, mas, provavelmente, estaria sendo desenvolvido um novo projeto com um novo Termo de Abertura. Assim, mudanças grandes são “traumáticas” para o projeto, para o gerente do projeto e para a sua equipe, a ponto de, certas mudanças, criarem novos projetos com pouca ligação com a pretensão original.
No gerenciamento de programas é bem diferente. Programas são grandes investimentos que devem contribuir de forma significativa para que a performance estratégica da organização seja alcançada. Assim, programas, antes de qualquer coisa, precisam manter o alinhamento com a estratégia corporativa.
Alguém poderia perguntar: Projetos também não precisam manter o alinhamento com a estratégia corporativa? A resposta é SIM. Porém, a primeira diferença essencial, apresentada neste artigo, vem nos “socorrer”: Projetos são empreendimentos de tiro curto, ou seja, normalmente são desenvolvidos como produto do ciclo de planejamento estratégico. Já programas, muitas vezes, atravessam esses ciclos estratégicos, tendo que lidar com mudanças consistentes.
É bem comum em programas, devido a uma mudança estratégica, alguns projetos simplesmente serem encerrados e o programa permanecer o mesmo. Isso ocorre porque o gerenciamento de programas não foca em entregar uma capacidade coerente, mas, em entregar benefícios que precisam ser sustentáveis no longo prazo. Assim, programas não se comportam como um todo indivisível, e o gerente de programa precisa estar consciente que o foco nos benefícios precisa ser mantido. A ferramenta do gerenciamento de programas que ajuda no desenvolvimento do gerenciamento dos benefícios, fazendo importantes links com as capacidades a serem entregues, é o Mapa de Benefícios. (Abordaremos o Mapa de Benefícios em um outro artigo).
Bem, neste primeiro artigo procurei explicar o que é o gerenciamento de programas e suas diferenças essenciais para o gerenciamento de projetos. A partir do segundo artigo vou procurar abordar as ferramentas básicas utilizadas pelos gerentes de programas. Vale a pena ressaltar que, já no primeiro artigo, citei duas ferramentas que, simplesmente, não existem no gerenciamento de projetos.
Gostaria de concluir, convidando a todos os leitores a acompanharem essa série de artigos sobre programas, pois, acredito que irá esclarecer de forma consistente a importância do gerenciamento de programas e suas ferramentas, evitando que ferramentas inadequadas sejam utilizadas para gerenciar esses grandes empreendimentos.
Lembrem-se um programa não é um “projetão”!
Até o próximo post!
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